"Temos que viver intimamente aquilo que repudiamos.(…)
Reconhecer a verdade como verdade e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando.
Sentir tudo de todas as maneiras e não ser nada no fim, senão esse entendimento de tudo"
Fernando Pessoa
Estamos numa época em que, como nunca antes, vivemos contrastes extremos.
O aquecimento e a desertificação alastrando por vastas áreas do globo, deixando um rasto de miséria e morte numas populações enquanto noutras, tecnologicamente mais desenvolvidas e que extraem e transformam recursos naturais de forma intensiva, se constroem “paraísos” artificiais e de um fausto nunca antes imaginado.
O analfabetismo, o trabalho infantil, a exploração da mão-de-obra feminina em oposição aos níveis mais elevados de qualificação académica em ambos os sexos alguma vez sonhado.
O isolamento e o abandono convivendo com as possibilidades inesgotáveis de comunicação através da Internet, telefones móveis, etc.
A grande violência da natureza, tsunamis, ciclones, incêndios, dilúvios e outras catástrofes naturais disputando poder destrutivo das ações humanas que conduzem ao aquecimento global, redução da camada de ozono, poluição atmosférica, das águas, do solo e do subsolo, sem precedentes.
Zonas de grande vulnerabilidade com guerras, guerrilhas, atentados, armas químicas, nucleares, e zonas tranquilas e seguras onde os cães andam de trela e as crianças são criadas em infantários à prova de acidentes.
A fome e a obesidade. As curas rápidas, as vacinas, o aumento da esperança média de vida, lado a lado com as doenças crónica que não mais abandonam os indivíduos ou os obrigam a sobreviver por longos anos com deficiência.
E poderíamos continuar indefinidamente, por todos os campos da actividade humana e da própria natureza, encontrando estes opostos.
E se para compreender estas diferenças poderíamos estar tentados a marcar linhas de divisão, geográficas, populacionais, climáticas, económicas, religiosas, políticas, ou outras, rapidamente chegamos à conclusão que estes extremos coabitam, em cada rua, em cada cidade, em cada país, em cada continente, no mesmo planeta.
Provavelmente em cada indivíduo. Às vezes estamos sós, outras rodeados por amigos e familiares. Uma hora estamos felizes, outra zangados e em guerra com o chefe. Dialogamos com pessoas de outro continente que nunca vimos e não cumprimentamos o vizinho do lado.
Num momento comemos pastéis de massa folhada com doce de ovos, noutro fazemos dieta e passamos fome. Plantamos e cuidamos de árvores e destruímo-las em papel publicitário e embalagens. Preocupamo-nos com a poluição e usamos plásticos a toda a hora. Curamos uma pneumonia e sucumbimos à artrose.
Pela mesma linha de ideias poderemos pôr a hipótese de a nível celular, molecular, (o microcosmos não reflete o macrocosmos?), se passarem processos de bipolarização com uma amplitude de que não temos conhecimento anterior.
Como se tivéssemos entrado em ciclos cada vez mais rápidos, ou ondas sinusoidais de elevada amplitude e frequência, ou vivendo várias realidades arrumadas sequencialmente numa linha de tempo em espiral, que nos dá a ilusão de simultaneidade.
Uma incongruência, ou uma polarização extrema, que parece ser instável, insustentável.
Paradoxalmente, a Humanidade continua a trilhar este percurso, talvez por razões que estão no seu inconsciente individual ou coletivo, como uma inevitabilidade, uma necessidade, ou um caminho para qualquer outra coisa.
Para onde vamos? Será o fim?
Isabel de Aragão, filha e neta de reis, rainha de Portugal por casamento com o Rei D. Dinis, senhora de numerosos castelos e propriedades agrícolas, protegia e cuidava de pessoas pobres, doentes e excluídas, numa obra social de grande dimensão.
Vivia diariamente entre os opostos da sua condição social elevada e as franjas da miséria e exclusão na população portuguesa, dos conhecimentos científicos e culturais mais desenvolvidos da época e a ignorância do seu povo.
Contrastes que procurava atenuar através da sua obra assistencial, criando e sustentando numerosas instituições com as suas rendas, mas que em determinada época se acentuaram ao limite.
Falamos de um período de alguns anos de más colheitas que assolou a Europa do século XIII deixando os povos depauperados e com fome.
Isabel distribuía Pão aos pobres que a ela acorriam cada vez em maior número, feito com o trigo dos seus celeiros, correndo o risco de esgotar as reservas destinadas ao pessoal da sua Casa.
D. Dinis opunha-se a esta prática, cada vez com maior veemência, até que um dia decidiu confrontá-la.
E colocada numa situação de tensão extrema, entre o Rei todo-poderoso e os pobres com fome, o que aconteceu foi outra coisa.
O Pão que transportava no regaço se transformou em Rosas.
Aquela seca passou, outras vieram, assim como outras riquezas, outras misérias.
Mas o Milagre ficou no imaginário popular ao longo de sete séculos, e a Rainha foi santificada 300 anos após a sua morte.
Nos tempos de mudança e tensão que vivemos, talvez seja este milagre que nos indica um caminho, um farol que ilumina a incerteza do futuro.
Colocados numa situação de polarização extrema, o Pão que temos para dar se transforma em Rosas.
O Amor tem a capacidade de transmutar o Mundo.
Teresa Gomes Mota