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Lançamento no Porto - 10 de Maio 2010

A DREN - Direcção Regional de Educação do Norte, antiga escola Secundária Rainha Santa Isabel, acolheu a apresentação de "Alma de Isabel - de Aragão ao Chiado" no dia 10 de Maio.

Recebidos pela Drª Conceição Gusmão, os convidados foram surpreendidos por um bonito painel alusivo ao lançamento e pela estátua da Rainha Santa Isabel que faz parte do espólio da escola e que foi recuperada e colocada no átrio para o evento.


A abertura da sessão foi feita pelo Dr Bruno Mourato, da BUK Distribuição. Seguiram-se umas breves palavras da autora.
A apresentação da obra esteve a cargo do Prof. Doutor Daniel Serrão.

Patrícia Domingues encerrou a apresentação com a sua magnífica voz, num canto sentido e livre, que deixou uma forte impressão nos presentes.















Por Cortesia do Prof. Doutor Daniel Serrão, transcreve-se o discurso proferido nesta ocasião:

A Alma de Isabel

A leitura deste livro não foi o meu primeiro contacto com a escrita de Teresa Mota, mas registo já que tive uma grande surpresa quando o li.
O meu primeiro contacto tinha sido com textos que reflectiam a vida de uma médica, com uma visão humanista da Clínica e uma sensibilidade rara para situações delicadas e para conflitos éticos entre o médico como funcionário do Estado e o médico como cuidador de pessoas.
Esta Obra é, porém, de uma extracção bem diferente.
Se, aqui e ali, aflora a cardiologista e a nutricionista, com uma forte preocupação de educação para a saúde por via da alimentação apropriada, esses afloramentos não são o que é verdadeiramente importante no corpo da narrativa.
O corpo desta narrativa, que flutua num espaço, meio virtual, entre o sonho e a realidade, tem natureza espiritual. Como adiante tentarei demonstrar.
Mas vamos primeiro, prosaicamente, à prosa em que está vertido.
Teresa Mota escreve muito bem. Continua a escrever muito bem.
O seu estilo fluido resolve com facilidade, aparente, a passagem da narração de episódios para a reflexão íntima, da temporalidade de encontros de personagens para a intemporalidade de vivências pessoais; também, o que é sempre difícil, a passagem da comunicação dos resultados das suas investigações bibliográficas e históricas e das pesquisas no terreno, para uma revelação de intuições súbitas e avassaladoras.
Porém, este texto não é o de um romance – embora partilhe, em muitas páginas, do conteúdo do romance; não é um ensaio sobre o mistério das percepções humanas e sua interpretação, mas apresenta muitos elementos informativos que nos remetem para uma meditação filosófica relacionada com a fenomenologia da cognição; não é um trabalho científico mas introduz temas de natureza científica do maior interesse.
Não é, não senhor, uma novela histórica, mais ou menos romanceada, sobre uma grande figura da Idade Média peninsular – como o título poderá sugerir
Não é um romance, insisto, porque a autora, Teresa Mota, embora ficcione uma personagem que dá alguma continuidade à narração, como que coloca essa personagem do lado de fora dos episódios que descreve.
Finalmente não é um diário apesar de os acontecimentos narrados terem uma sequência temporal, quase rigorosa, ao longo dos 93 quadros que compõem este políptico.
Na verdade o que aqui está, nesta Alma de Isabel, são quadros de uma exposição. Que bem podiam ser acompanhados pela música de Mussorgsky
Que quadros?
Vejo um primeiro quadro, com grande força simbólica, que é o da intuição identitária com a Rainha Santa Isabel – “Aquela mulher sou eu” – na Pousada de Estremoz, quando a médica Clara olha a estátua que representa a mulher do nosso Rei D. Diniz.
Identifico um segundo quadro, impressivo, que é o da leitura da aura por Romão, quando Clara decide ir a um centro ZEN e fazer um exercício de regressão às vidas passadas.
Outros quadros, menos expressivos, representam todos os meandros das leituras esotéricas possíveis da vida da pessoa nas suas relações com o que lhe está oculto.
Também noutros quadros, em claro-escuro, aparece o que a vida de Isabel de Aragão mostra e o que esconde; como na metáfora do dinheiro para os pobres que é escondido e se revela, ao Rei, como se fosse rosas
Aparece, igualmente com grande peso simbólico, o quadro do culto do Espírito Santo no que ele tem de mais profundo e que vai muito para além do ritual ainda hoje praticado nas Ilhas açorianas.
Mas o fio invisível que liga todos estes quadros entre si é a questão radical da morte do corpo e da imortalidade do espírito; ou da alma, como Teresa Gomes Mota lhe chama.
Que o espírito existe não tenho dúvidas. Foi ele que criou os conteúdos deste texto que vos leio o qual existiu no meu espírito antes de o representar por palavras e depois na escrita; e antes de se manifestar, agora, pela leitura comunicativa.
Este espírito transcende-me, transcende o meu corpo e, nele, o meu cérebro.
A forma de existir do espírito é como transcendência do corpo
Que o espírito não morre é uma evidência.
Só pode morrer o que tem natureza material, imanente, no tempo e no espaço, O espírito, porque está fora das categorias de espaço e tempo, não pode morrer (mesmo que o desejasse, digo eu).
Que o meu espírito que usa o meu corpo e o meu cérebro, possa voltar, no futuro, a exprimir-se, por intermédio de outros corpos, não é ideia que me convença.
O que me convence, isso sim, é que o espírito de cada ser humano é da mesma natureza do Espírito Transcendental. Que é exterior ao mundo e que, na imensidão das suas estruturas galácticas, se manifesta pelo que chamamos energia, sem sabermos o que estamos a dizer; e que se torna inteligível, pensável, pela intuição de uma minúscula estrutura deste imenso mundo que é o cérebro dos humanos.
Por ser da mesma natureza do Espírito Transcendental ele tem uma identidade de natureza; mas tem uma diversidade de manifestação, porque esta manifestação depende da qualidade específica do corpo que usa.
Analisando as grandes manifestações do espírito humano que recordamos ainda hoje, percebemos que o espírito que usou o cérebro de Sócrates manifestou-se nele de forma bem diferente do que usou o cérebro de
Alexandre da Macedónia: o primeiro descobriu o eu pessoal, “conhece-te a ti próprio”, e fundou a filosofia; o segundo descobriu o poder e fundou um Império. A Filosofia permanece, o Império desapareceu. Mas ambos são, igualmente, obra do espírito.
Estas duas formas, entre muitíssimas outras, de revelação do espírito permanecem: muitos seres humanos amam o saber e a reflexão, muitos seres humanos capturam o poder e criam impérios.
Mas nada indica ou sugere que o espírito de Sócrates veio habitar no corpo e cérebro de Kant, de Lévinas, de Merleau-Ponty; ou que o espírito de Alexandre, o Grande, veio habitar no corpo e cérebro de Carlos V, de Lenine, de Hitler.
Por muito impressionantes que possam ser as similitudes de manifestações em tempos tão afastados entre si. Ou as coincidências de datas. Ou as aparentes, súbitas, avassaladoras intuições como “Esta Isabel sou eu”.
O sentido profundo do culto do Espírito Santo tal como António Vieira o proclamou, é este, na minha leitura:
Quando chegar o tempo de o Espírito Transcendente se manifestar de forma directa no mundo, por meio dos corpos humanos mas sem que estes corpos possam influenciar a sua forma de se manifestar, terá sido atingida a perfeição na união do corpo com o espírito; que agora será, em pleno, o Espírito.
O sinal de que este tempo chegou é dado, será dado, pela vivência do amor universal de todos os seres humanos entre si e pelo fim da morte do Homem pelo Homem.
O anúncio deste tempo foi chegando de muitas maneiras pelos Profetas hebraicos, por um hebreu sem paralelo chamado Yeshua, o Cristo, pelo Apocalipse de João, por milhares de Santos de corpos incorruptíveis, por Isabel de Aragão certamente, por Teresa de Calcutá, cujo olhar, num encontro inesperado e imprevisível em Roma, me transmitiu esta verdade absoluta: o Espírito Santo, como Espírito Transcendente espera que os seres humanos se transcendam a si próprios, como ela Teresa, se transcendeu, para poderem ser, como anunciou Paulo de Tarso, “Templos do Espírito Santo”.
Os nossos corpos estão no tempo, vivem e morrem no tempo.
Por isso a intemporalidade nos é estranha.
Escrevi um dia que “com a morte de cada homem termina um universo cultural específico, mais ou menos rico, mas sempre original e irrepetível. O que um homem deixa quando morre – os seus escritos, os objectos culturais que criou, as memórias da sua palavra, dos seus gestos ou do seu sorriso naqueles que com ele viveram, os filhos que gerou – tudo exprime uma realidade que está para além do corpo físico, de um certo corpo físico que esse homem usou para viver o seu limitado tempo pessoal de ser homem”.
É assim de facto.
Este livro de Teresa Gomes Mota tenta capturar a alma de Isabel no fluir dos tempos, e no espaço de noventa e três quadros, ora reais ora imaginários, ora bem assentes na terra corporal, ora aventurando-se pelos caminhos muito difíceis das manifestações do espírito.
Termino.
Há uma Verdade absoluta.
Mas só na plenitude dos tempos, que será o fim do Tempo, será conhecida; por revelação. Revelação feita ao espírito que habitou num corpo durante um certo tempo. Mas não ao corpo nem pelo corpo. Por isso a Verdade absoluta será sempre indizível.
E já agora, Isabel, que os muitos mais tempos que vão acontecer ao seu espírito lhe sejam sempre propícios. 

Daniel Serrão

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