Visite também o site www.almadeisabel.com

Prof. Paulo Borges apresenta Alma de Isabel

Apresentação do livro “Alma de Isabel – de Aragão ao Chiado”


Muito boa noite, queria começar por cumprimentar a todos os presentes e por agradecer à Dra. Teresa Mota por esta distinção, esta honra, por este prazer também, este grande prazer que me dá ao ter-me convidado para apresentar este seu último livro.

Como a autora nos acabou de confidenciar, esta é uma obra que ela sente como pouco convencional e, efectivamente, é uma obra pouco convencional.

É uma obra onde a personagem principal, Clara, tem uma relação de busca, uma demanda, e portanto eu diria que a narrativa do livro é uma demanda, de uma busca espiritual.

Onde nós pressentimos, torna-se evidente, que existem fortes traços autobiográficos. Clara faz-nos recordar Teresa Mota, faz-nos suspeitar que se trata em boa parte de Teresa Mota ou, de alguma coisa, alguém, em Teresa Mota.

Na leitura que todos terão o prazer de efectuar, encontrarão um livro que reflecte numa boa parte a preocupação que é cada vez maior, a meu ver felizmente, no momento civilizacional que as nossas sociedades ocidentais vivem.

É um momento em que nós, após havermos investido muito tempo, e ao longo de muitas gerações, na busca de felicidade através da conquista do mundo exterior, do bem-estar económico, do conforto material, através dos progressos científico-tecnológicos, nós sentimos que apesar de isso ser muito importante, e ninguém o nega, sentimos que para além disso há alguma coisa que falta, e o que falta fundamentalmente é conhecermo-nos a nós mesmos.

É voltarmos o nosso olhar, não tanto para o exterior, mas mais para o interior e indagarmos sinceramente de onde é que vimos, para onde é que vamos, as grandes questões no fundo de toda a grande tradição sapiencial da humanidade.

Indagarmos profundamente quem somos e qual o sentido profundo da nossa existência e da nossa vinda a este mundo. São estas as preocupações fundamentais que eu encontro no livro que a Dra. Teresa Mota nos oferece a “Alma de Isabel de Aragão ao Chiado”.

É um livro que reflecte portanto uma busca, uma busca interior, que nos fala da peregrinação de uma alma em busca de si mesma. E é uma peregrinação que se efectua em torno de um centro.

Todas as peregrinações se dirigem para um centro. Na grande tradição sapiencial da humanidade o homem intuiu a sua existência muitas vezes como sendo a condição de alguém que está como que num labirinto, procura um centro e, ao mesmo tempo, procura uma saída. Ora aqui o centro, e porventura a saída, tem muito a ver com uma figura central da nossa história e da nossa cultura, que é a Rainha Santa Isabel.

A protagonista central desta narrativa sente uma relação muito próxima com a Rainha Santa Isabel. Uma relação que chega mesmo a ser uma relação de identificação. Ela sente que de algum modo poderá ter sido a Rainha Santa Isabel, que de algum modo alguma coisa há nela, o que aliás é bem expresso pelo título do livro - “Alma de Isabel”.

E se foi realmente a própria rainha, ou se há algo da rainha que está presente nela como está presente porventura em todos nós, isso é uma questão que fica em aberto, e para a qual cada um dos leitores desta bela obra terá que encontrar, por si próprio, a resposta.

De facto é uma obra onde tudo gira em torno da Rainha Santa Isabel que é uma figura fundamental e um ícone da nossa cultura, e também em torno de alguns dos actos ou dos acontecimentos mais marcantes da vida e do reinado da Rainha Santa.

Um deles como nós sabemos, é o culto do Espírito Santo. A Rainha Santa Isabel, nas crónicas mais antigas que nos falam sobre essa questão, ficou tradicionalmente associada à criação do culto do Espírito Santo, da Festa do Espírito Santo, na vila de Alenquer. E o culto do Espírito Santo, a Festa celebrada no Pentecostes, o sétimo Domingo após o Domingo de Páscoa, que este ano se comemorará no dia 23 de Maio, é uma festa que assumiu uma relevância maior na cultura portuguesa, na cultura luso-brasileira, poderia dizer mesmo na cultura lusófona. Isso foi assinalado por alguns historiadores, fundamentalmente um, o Jaime Cortesão, e depois na esteira de Jaime cortesão homens como Agostinho da Silva, também o António José Saraiva, a Natália Correia, o António Quadros, para não falar de outros mais recentes, aliás posso referir, Paulo Loução, José Anes, Dalila Pereira da Costa, Lima de Freitas e muitos outros, falam-nos da importância que a Festa tem na nossa cultura. Jaime cortesão foi o primeiro a estudar sistematicamente a festa do Espírito Santo, e verificou que a partir do momento em que ela surgiu, no reinado da Rainha Santa no século XIII, ela estendeu-se rapidamente por todo o país. Depois com o surto dos Descobrimentos ela foi levada para as ilhas, para a ilha da Madeira, para as ilhas dos Açores, ela foi celebrada a bordo das naus que foram para a Índia. Conforme os estudos do Padre Bernardo Martins documentam, havia teatro a bordo das naus que foram para a Índia e o Pentecostes e a Festa do Espírito Santo eram aí celebrados e havia uma coroação do menino, e depois a Festa chegou ao Brasil, onde ainda hoje perdura.

A Festa perdurou aqui no continente, e perdura sob formas um pouco transformadas, mas perdurou tradicionalmente numa pequena aldeia perto de Colares, Sintra, que é a aldeia do Penedo. Ainda tive oportunidade, juntamente com António Quadros e com Lima de Freitas, de presenciar, penso que foi a última realização com todos os pormenores desta festa, em 1986.

A Festa do Espírito Santo é uma festa em que se celebram muitas coisas, em que se celebra fundamentalmente a abundância. E conforme tem sido notado pelos seus vários intérpretes, a Festa pode estar intimamente relacionada com algumas ideias que circulavam no tempo da Rainha Santa, e às quais a Rainha Santa Isabel porventura terá sido sensível.

Um facto, e isso é-nos aqui recordado neste livro, é que a Rainha Santa Isabel teve uma relação próxima com um eminente filósofo, médico, e também alquimista do seu tempo, que foi Arnaldo de Vilanova. Ele estava ligado a uma corrente de pensamento, uma corrente de espiritualidade, a corrente joaquimita, que era dos seguidores, dos discípulos do monge, depois abade, Joaquim de Flora (Joaquim di Fiore). Um abade da Calabria que no século XIII terá tido uma série de revelações divinas, por ele assumidas como tal, revelações do próprio Espírito Santo, revelações de Deus sob a forma da pessoa do Espírito Santo, que lhe terão dado uma espécie de iluminação acerca do sentido da Escritura, acerca do sentido da Bíblia do Antigo e do Novo Testamento.

E o sentido dessa iluminação vem transformar fundamentalmente os quadros mentais da época, do século XIII. O sentido dessa revelação é de que Deus revela-se aos homens progressivamente. E se, no Antigo Testamento - vou agora resumir a perspectiva de Joaquim de Flora, haveria muito a dizer sobre ela, mas é fundamentalmente esta - se no Antigo Testamento Deus se revela aos homens na pessoa do Pai, do Deus dos exércitos que exige fundamentalmente dos homens uma virtude que é a virtude da obediência, do rigor, da disciplina, já na pessoa do Filho, de Jesus Cristo, ele revela-se aos homens como o seu irmão. Como Deus feito homem, aquilo que ele pede dos homens não é tanto uma obediência cega a um Deus entendido como transcendente e exterior, mas mais a experiência da humanidade divina, da humanidade de Deus e da humanidade de Deus vivida na relação do amor para com o nosso próximo, para com toda a humanidade. Mas, e é isso que vai fazer com que Joaquim de Flora extravase dos quadros teológicos da sua época ao ponto de vir a ser considerado heterodoxo num concílio posterior, o que Joaquim de Flora traz de novo, é que Deus não terminou a sua revelação em Cristo. Há uma revelação divina que está em aberto, e essa revelação divina continua a processar-se e continuará a desenvolver-se cada vez mais sob a forma ou através da pessoa do Espírito Santo. A revelação fundamental que será feita através do Espírito Santo, será a revelação de Deus como sendo afinal não exterior ao homem, não exterior a cada homem, mas como sendo íntimo de cada um de nós. Uma revelação de Deus como sendo a essência mais funda e mais íntima do nosso próprio ser. E nessa perspectiva, segundo Joaquim de Fiori, quando todos os homens tivessem acesso a essa revelação e, simultaneamente iluminação, do Espírito Santo, os homens poderiam dispensar a mediação das hierarquias, poderiam dispensar as autoridades espirituais, neste caso a autoridade eclesiástica, porque todos poderiam ter uma relação directa com Deus, todos poderiam reconhecer Deus directamente, presente no íntimo dos seus corações.

E assim o que Joaquim de Fiori traz para o pensamento teológico e filosófico do século XIII é a ideia de que, Deus começa por ser transcendente ao homem, vai-se progressivamente revelando como imanente ao homem, ao ponto de se revelar no mais íntimo do seu próprio coração.

Estas ideias naturalmente suscitam um movimento espiritual, o movimento dos joaquimitas, que influenciaram muito a Ordem Franciscana, particularmente a Ordem Terceira, a ordem laica dentro do franciscanismo, e nós sabemos que a Rainha Santa quis morrer com o hábito da Ordem Terceira. No final da vida, tal como muitos dos seus antecessores, da sua família, quis entrar para a Ordem Terceira de S. Francisco e foi assim que ela quis morrer, foi assim que ela quis deixar este mundo.

A Festa do Espírito Santo criada pela Rainha Santa Isabel então poderá muito provavelmente ter reflectido estas ideias, esta expectativa de que pudesse vir a surgir no mundo uma idade que já não fosse nem idade do Pai, nem a idade do Filho, mas sim a idade do Espírito Santo.

E na interpretação de Jaime cortesão, depois aprofundada por Agostinho da Silva, essa idade do Espírito Santo seria a idade, obviamente não só, como já vimos, da revelação de Deus como o mais íntimo de cada homem, mas a idade ecuménica por excelência. Para Agostinho da Silva, (tive oportunidade de várias vezes falar com o Prof. Agostinho sobre estas questões), e era uma convicção profunda, nós estávamos, o grande desafio da nossa época era exactamente esse: por um lado descobri r o espírito em nós, aquilo que Agostinho da Silva designava, o que ele considerava ser o Espírito Santo, a centelha divina que todos nós temos, aquela dimensão que em nós transcende o espaço e o tempo, e que nos permite viver no espaço e no tempo, mas não confinados ao espaço e ao tempo.

O outro grande desafio, não em termos individuais mas já em termos colectivos, para Agostinho da Silva, seria o de nós inaugurarmos, ou contribuirmos para inaugurar - nós portugueses, nós indivíduos, e todos os homens disponíveis para a ---do espírito em todas as culturas, em todas as línguas, - o desafio de nós contribuirmos para inaugurar uma nova era, uma era marcada pelo ecumenismo, uma era marcada pela consideração de que todas as culturas, todas as religiões são diferentes, mas convergentes, revelações do mesmo Espírito Divino.

E para Agostinho da Silva, ele ia mesmo ao ponto, já desde os anos cinquenta, de considerar que nessa grande comunidade ecuménica e paraclética (do grego paracletos, tanto que a designação da bíblia grega dos tempos do Espírito Santo), nessa grande comunidade que viveria sob o signo do Espírito Santo, nessa grande igreja verdadeiramente católica (no sentido etimológico da palavra cat-olo quer dizer total, universal), para Agostinho da Silva deveriam caber não só os seguidores de todas as religiões, de todas as espiritualidades, mas mesmo também os agnósticos e os ateus. Porque todos, independentemente de serem crentes, têm em si o espírito e têm em si a possibilidade de se verem a si próprios, de ver a vida, como dizia a Teresa Mota, sem óculos: sem os óculos dos nossos conceitos, dos nossos preconceitos, da nossa descriminação tantas vezes falsa, tantas vezes ilusória.

Então, para Agostinho da Silva e para muitos outros que seguem o seu pensamento, que continuam a sua obra, nós estaríamos então no limiar desses dois grandes desafios. O desafio individual de sabermos quem somos, que é a busca fundamental que a personagem deste livro efectua e ao mesmo tempo o desafio de contribuirmos para uma cultura que não seja uma cultura da afirmação de uma especificidade e de uma diferença contra outras especificidades e outras diferenças, mas que seja realmente uma cultura ecuménica, uma cultura de reconhecimento e da valorização daquilo que é verdadeiramente universal em todas as culturas, em todas as línguas, em todas as religiões.

É isso que Joaquim de Fiori chamou de Espírito Santo, porventura era para isso que a Rainha Santa Isabel quis contribuir ao criar a Festa do Espírito Santo, e é isso que Agostinho da Silva vai chamar o Espírito Santo, ou o Quinto Império. Considerando que o Espírito Santo é equivalente àquilo que noutra tradição mítica e profética portuguesa, que é a tradição que vem do Bandarra, do António Vieira, que passa por Fernando Pessoa e que vai desembocar também em Agostinho da Silva, é efectivamente o que é designado como o Quinto Império. Que não é obviamente um império político, não é um império material, não é um império territorial, não é um império da força, mas que é aquele império que Agostinho da Silva, que Fernando Pessoa, entre vários outros, viram como um império espiritual, um império do conhecimento, um império da descoberta de quem somos, um império da partilha disso do que somos, com os outros, sob a forma do amor, do amor fraterno, extensível mesmo, segundo Agostinho da Silva, não só aos seres humanos, mas a toda a natureza incluindo, naturalmente, também os animais.

Ora a Rainha Santa criou portanto uma festa, e o que é que acontece nesta festa?

Entre muitas outras coisas - o grande bodo, a festa de abundância, os ricos a servirem os pobres, portanto uma inversão dos valores e dos estatutos sociais, uma festa não da hierarquia mas da igualdade - acontece também, e esse é o momento central, a coroação de uma criança como o imperador, ou imperatriz (parece também que no passado algumas meninas foram coroadas como imperatrizes do Espírito Santo). É portanto uma criança que recebe a dignidade suprema e é ela que simbolicamente detém o poder durante os três dias que dura a festa.

A criança naturalmente é um símbolo, é um símbolo da nossa inocência, é um símbolo para Agostinho da Silva, põe exemplo do próprio espírito que está em nós, a criança é um símbolo daquilo que em nós transcende o espaço e que transcende também o tempo, e depois permite viver esta vida de uma outra forma: não tão apegada aos bens materiais, não tão apegada àquilo que é acidental e é transitório, pois que naturalmente e necessariamente passa (quanto mais não seja com a nossa morte), mas uma vida mais orientada para o conhecimento daquilo que em cada um de nós é eterno, que não começou a existir com o nosso nascimento e não cessará de existir com a nossa morte.

É isso que eu encontro de mais profundo, neste belíssimo livro. É a mensagem que para além de todos os nossos fazeres e afazeres, para além de todos os nossos haveres, há alguma coisa mais importante a encontrar.

E essa coisa mais importante a encontrar é exactamente o nosso ser, o que verdadeiramente fica quando nos pudermos despir, nos pudermos despojar de tudo, seja voluntária, seja involuntariamente quando chegar o momento da morte, aquilo que fica, aquilo que vai ficar verdadeiramente; aquilo que fica e que é aquilo que está sempre presente, aquilo que nos permite neste momento estar aqui, partilhar esta troca de ideias, reflectir, sentir, termos um coração sensível, termos um coração capaz de partilha, capaz de amizade, capaz de amor.

Isso não parece depender da nossa riqueza material, isso não parece depender do nosso estatuto social, isso não parece depender sequer da nossa riqueza cultural, o sentido da aquisição de conhecimentos exteriores. Isso parece ter a ver com outra ordem de experiência.

E é isso que Clara, a protagonista desta obra, procura. Procura insistentemente, procura labirinticamente, procura… Procura-se no fundo, como parece evidente, recorrendo a todas as ofertas espirituais que nós encontramos cada vez mais na nossa sociedade contemporânea.

Ela percorre as várias possibilidades de conhecimento espiritual, frequenta diferentes professores, diferentes mestres, diferentes instrutores, lê avidamente várias obras, vive várias experiências, ela vai acumulando conhecimento, vai acumulando vivências, sempre em busca daquele tesouro oculto, que sente estar dentro de si e que sente estar intimamente ligado com a figura, ou pelo menos com o espírito, da Rainha Santa Isabel.

E nesse sentido o livro também é muito singular, porque nos oferece o retrato muito vivo - quase por vezes tem algo de uma crónica - um retrato muito vivo da nossa sociedade contemporânea, da nossa vida contemporânea. Ao ponto de incluir aqui personagens reais, eu próprio estou aqui; não tive a surpresa absoluta ao ler o livro, porque já tinha sido avisado, não sei se para evitar o susto como a autora há pouco nos dizia, eu penso que não me assustaria no sentido mau do termo, mas ficaria certamente espantado no bom sentido do termo. Mas nós encontramos aqui figuras reais, figuras que estão entre nós, alguns deles estão aqui, figuras que fazem parte da espiritualidade e da cultura portuguesa contemporânea.

Portanto é um livro muito vivo, em que nós sentimos que esta personagem Clara está bem presente entre nós, que é alguém que circula pelas ruas e que nós podemos encontrar a qualquer momento, e que os lugares que ela visita, os lugares por onde ela passa, são lugares que nós visitamos e que nós próprios frequentamos.

Aliás o livro desenrola-se por alguns lugares paradigmáticos, um deles é o convento de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, um lugar de eleição também para mim. Fiquei muito tocado porque algumas descrições, algumas referências ao convento do outro lado do Mondego, completamente alagado, fizeram-me evocar uma memória inapagável do meu espírito, quando um belo dia resolvi também visitá-lo. Foi uma visita solitária, estava só, o convento estava deserto e completamente alagado. E aquelas naves em ruínas reflectiam-se nas águas, a imagem era belíssima. E também uma experiência muito singular que tive: para poder chegar o mais perto possível das ruínas do convento, para poder entrar, tive que atravessar um charco onde estavam, sem exagero, centenas, talvez milhares de rãs, que pulavam em todas as direcções à medida que eu avançava. É uma imagem, uma memória inesquecível.

Santa Clara-a-Velha, depois Lisboa, o Chiado onde nós estamos, e achei muito interessante uma epígrafe que vem logo no início quando Teresa Mota cita Guerra Junqueiro que diz:

“Para ver o mundo só há dois píncaros: ou o Himalaia ou o Chiado”

Ou o Himalaia ou o Chiado. Interessante porque aqui também há uma forte presença da cultura tibetana, e uma vez mais senti aqui uma forte afinidade com esta obra, porque tive oportunidade de estar nos Himalaias. Tenho, como alguns sabem, uma forte afinidade com a cultura budista tibetana, e também sinto que o Chiado é um Himalaia. É um lugar onde nós sentimos a presença de muitas gerações de alguns dos intervenientes mais activos e mais geniais da cultura portuguesa contemporânea: Fernando pessoa, Almada Negreiros, Mário de Sá Carneiro, Raul Leal e muitos outros. E portanto talvez se passe entre os Himalaias e o Chiado alguma sinergia que esteja ainda por explicar.

A autora enceta uma demanda por aquilo que há de mais vivo na cultura espiritual contemporânea em Portugal, é nitidamente um livro autobiográfico, é uma autobiografia de um período particular de uma vida de alguém que procura no conhecimento esotérico, nas várias fontes e nas várias tradições do conhecimento esotérico - ou seja do conhecimento interior, do conhecimento voltado para dentro e não voltado para fora - a busca daquilo que é fundamental para a sua vida.

E nesse sentido o livro, como todos os livros que assumem este cariz, este teor, é um livro que nos desperta, é um livro que nos convida, é um livro que nos pro-voca no sentido etimológico e positivo do termo. É um livro que nos chama, é um livro que nos contagia, é um livro que nos dá vontade de começarmos, ou de continuarmos, ou de aprofundarmos, a nossa própria busca. É um livro que nos dá vontade de despertar para saber mais acerca daquilo que somos e acerca daquilo que estamos a fazer neste mundo, neste preciso momento da nossa existência.

Por tudo isto eu sinto-me grato à autora, noto que é um livro singular mas é um livro que faz parte de uma linhagem de obras que começam a aparecer e que começam a reflectir de uma forma cada vez mais insistente e cada vez mais central esta preocupação.

É um livro nesse sentido paraclético, é um livro que traz consigo alguma coisa da centelha do Espírito Santo. É um livro que traz consigo essa centelha do Espírito incriado, daquele Espírito que verdadeiramente, como a palavra indica, sopra. Sopra como diz o Evangelho segundo João, sopra onde quer e ninguém sabe de onde vem, ninguém sabe para onde vai. Porque a idade do Espírito Santo tem fundamentalmente a ver com essa liberdade espiritual.

E é muito também o que aqui encontramos neste livro, é uma busca espiritual muito movida por um espírito de liberdade. A tradição portuguesa e também a tradição universal, associa o Espírito Santo ao sentido da liberdade, à experiência da liberdade como sendo um dom divino, como sendo um dos mais preciosos dons divinos. Deus quer ser adorado em Espírito e Verdade, diz também no Evangelho segundo João.

É um livro que nos fala de uma espiritualidade que está cada vez mais a tornar-se presente nas nossas vidas, que é uma espiritualidade já não cingida propriamente a dogmas, a doutrinas estreitas, rígidas, fechadas, mas que têm a ver com a nossa capacidade de encontrarmos o divino, de encontramos o sagrado, de experimentarmos no espírito de liberdade, no espírito também de grande criatividade.

E é por tudo isto que eu gostaria de dizer que eu estou muito grato á autora e estou muito grato a todos aqueles que, e estou convicto que assim acontecerá, que souberem fazer da leitura desta obra, o início, ou a continuidade, ou o aprofundamento, de uma busca fundamental nas suas próprias vidas.

Muito obrigada a todos e particularmente à Teresa Mota por este belo presente.



Palavras de Paulo Borges proferidas no Jardim de Inverno do Teatro de S. Luiz em Lisboa, no dia 12 de Abril de 2010